A vida moderna e o corpo ancestral dos cães: como encontrar um equilíbrio para a saúde
- Stephanie Lisieux
- 4 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 21 de jul.
O problema surge quando a biotecnologia da Idade da Pedra se encontra com a era moderna da conveniência e do processamento. - The Forever Dog
Vivemos em uma época de conveniência extrema. Comida pronta, pressa constante, telas por todos os lados e uma rotina que desafia o equilíbrio natural do corpo. E nesse cenário, os cães (nossos companheiros mais fiéis) acompanham nossos hábitos. Para o bem ou para o mal.
Mas e se o corpo deles não estivesse acompanhando essa mudança na mesma velocidade?
Esse é um dos pontos centrais do livro The Forever Dog: nossos cães vivem no presente, mas ainda carregam um corpo moldado pelo passado. Isso muda tudo sobre como eles respondem à alimentação, ao estresse e ao ambiente.
O corpo ancestral dentro de um cão moderno 🧬

Mesmo com séculos de domesticação, o organismo do cão ainda guarda muitas semelhanças com o do lobo. E não estamos falando de comportamento, estamos falando de fisiologia digestiva e metabólica.
Segundo os autores do livro, citando estudos publicados na Nature e na Science, os cães aumentaram a produção de amilase pancreática, que ajuda a digerir carboidratos, ao longo da convivência com humanos. Mas isso não significa que eles se tornaram totalmente adaptados a uma dieta rica em amido e pobre em proteínas de origem animal.
Cães domésticos podem tolerar carboidratos melhor que lobos, mas ainda são carnívoros fisiológicos. Seu trato gastrointestinal curto e ausência de amilase salivar são sinais claros disso. – The Forever Dog
O que isso significa na prática?
Que eles conseguem lidar com alguma presença de carboidratos, mas não com o excesso crônico de amido, açúcar e ingredientes ultraprocessados que muitas vezes dominam a alimentação moderna, inclusive na ração seca.
A base alimentar ideal para cães continua sendo rica em proteínas de qualidade, gorduras boas e fibras naturais, com carboidratos de digestão lenta e baixo índice glicêmico, como vegetais cozidos ou tubérculos.
Vida moderna, comida fácil e o corpo em desequilíbrio 🍞

Hoje, é comum vermos cães sendo alimentados 2 ou 3 vezes ao dia, com refeições ultraprocessadas, sem diversidade, e com excesso de calorias e escassez de nutrientes reais.
O resultado disso?
Obesidade canina (que hoje já atinge mais de 50% dos pets, segundo a AVMA – American Veterinary Medical Association)
Doenças inflamatórias crônicas
Queda na imunidade
Transtornos digestivos e metabólicos
Envelhecimento precoce
Estudos mostram que cães com alimentação variada, natural e equilibrada vivem mais e apresentam menor incidência de câncer, problemas articulares e disfunções cognitivas.
E o paralelo com a saúde humana é inevitável:
quanto mais industrializada e artificial a dieta, mais silencioso é o processo de adoecimento.
Níveis de processamento dos alimentos: como identificar e escolher melhor
A maneira como um alimento é processado influencia diretamente como ele é absorvido, metabolizado e interpretado pelo corpo. O ponto não é que "rações são ruins" e "comida caseira é sempre melhor", mas dar atenção especial ao grau de modificação.
A classificação a seguir é baseada no sistema NOVA da USP e na análise proposta em The Forever Dog:
Alimentos in natura ou minimamente processados
São alimentos que passam por poucas ou nenhuma modificação desde sua origem.

Exemplos:
Frutas,
legumes,
raízes, ovos,
carnes frescas,
peixes,
sementes,
iogurte natural integral sem açúcar / kefir
🔬 Esses alimentos fornecem enzimas, fitonutrientes e fibras vivas que regulam o intestino, fortalecem o sistema imunológico e contribuem para um microbioma equilibrado, tanto em cães quanto em humanos.
Alimentos processados (de forma leve)
São alimentos que sofreram modificações simples para conservação ou praticidade, mas ainda mantêm valor nutricional significativo.

Exemplos:
Queijo branco,
legumes cozidos e congelados,
batatas doces cozidas,
arroz ou feijão pré-cozido sem aditivos,
proteínas cozidas
biscoitinhos caseiros.
⚠️ Podem ser incluídos na rotina, desde que com equilíbrio e combinados com alimentos frescos. Para cães, isso inclui também petiscos caseiros ou rações desidratadas com ingredientes naturais e rastreáveis.
Ultraprocessados: o que são, como identificar e por que devemos nos preocupar

Os alimentos ultraprocessados são aqueles criados quase inteiramente por meio de processos industriais.
Eles não são apenas “alimentos modificados”, são formulações alimentares artificiais, criadas para simular o sabor, a textura e o cheiro de comida real, mas sem suas qualidades nutricionais.
Se você não conseguir reproduzir esse alimento em casa com ingredientes reais, ele provavelmente é um ultraprocessado. - The Forever Dog
Essa é uma regra prática simples e poderosa:
se você não tem os ingredientes e equipamentos necessários para fazer esse “alimento” na sua cozinha, ele não deveria ser a base da alimentação, nem sua, nem do seu cão.
⚠️ O problema dos ultraprocessados vai além das calorias
O livro The Forever Dog e diversos estudos em nutrição funcional apontam que o problema central desses alimentos não é o valor calórico, mas a ausência de informação biológica real para o corpo.

Eles contêm:
Corantes artificiais
Realçadores de sabor e aroma
Emulsificantes e espessantes sintéticos
Óleos oxidados e de baixo valor biológico
Açúcares escondidos em diferentes formas
Subprodutos da indústria alimentícia (como farinha de penas, farinhas de carne e ossos, glúten processado)
🔬 Esses compostos são interpretados pelo organismo como agressores, levando à ativação do sistema imune, aumento da inflamação, desequilíbrio do microbioma e estresse oxidativo crônico, um dos principais fatores associados ao câncer, doenças degenerativas e envelhecimento precoce.
O corpo reconhece comida de verdade como nutrição. O resto ele trata como ameaça. - The Forever Dog
Dados e consequências
A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Animais de Estimação (ABINPET) estima que mais de 90% dos cães consomem ração extrusada como dieta principal.
Um estudo publicado no Journal of Veterinary Internal Medicine correlaciona o consumo predominante de ração seca com maior incidência de doenças inflamatórias intestinais, dermatológicas e disfunções hepáticas em cães adultos.
Em humanos, a pesquisa da USP (NOVA/2020) mostrou que cada 10% a mais de ultraprocessados na dieta está associado a um aumento de 18% no risco de mortalidade por todas as causas.
📌 Os ultraprocessados não são o vilão absoluto, mas não devem ser a base da alimentação. Eles podem existir em contextos específicos, mas devem ser compensados com alimentos vivos, frescos e funcionais.
O que muda no comportamento, humor e imunidade
O impacto da alimentação não termina no estômago. Ele se estende ao cérebro, à pele, ao sistema imune e até ao comportamento do cão.

Diversos estudos apontam a relação entre dieta e os chamados “problemas de comportamento” em cães, como:
Agressividade
Agitação constante
Ansiedade de separação
Apatia e desânimo
Esses sintomas, muitas vezes tratados com adestramento ou medicamentos, podem ser manifestações secundárias de um organismo inflamado ou intoxicado, muitas vezes decorrente da alimentação cronicamente artificial.
Cães alimentados com uma dieta rica em ultraprocessados demonstram mais sinais de inflamação sistêmica, disbiose intestinal e alterações comportamentais. -The Forever Dog
O mesmo acontece com humanos. A ligação entre intestino e cérebro (eixo intestino-cérebro) já é bem documentada pela neurociência. Dietas ricas em alimentos naturais reduzem marcadores inflamatórios e melhoram o humor e o foco.
O que você pode fazer a partir de agora

Não se trata de transformar a dieta do seu cão da noite pro dia, mas de entender que todo alimento é uma mensagem, e que você pode mudar essa mensagem gradualmente.
Aqui estão formas simples de aplicar esse conhecimento:
Troque o petisco industrial por um pedaço de cenoura ou ovo cozido (de qualquer espécie)
Acrescente legumes no vapor ao lado da ração, brócolis é o top 1 (toppers)
Reduza os alimentos coloridos artificialmente, aromatizados e com muitos ingredientes estranhos na composição
Dê um “jejum metabólico” ao corpo com refeições menos frequentes ou com janelas de alimentação mais ajustadas (com orientação)
Inclua mais alimentos com funções antioxidantes, anti-inflamatórias e prebióticas
🧡 Lembre-se: o melhor é sempre o melhor que você pode fazer agora. E o “um pouco melhor” já faz diferença na saúde do seu peludo.
Os mesmos cuidados valem pra sua família
Você já percebeu como muitos tutores que mudam a alimentação do pet também repensam a própria alimentação?
Isso não é coincidência.
Cães e humanos compartilham mais do que a casa.
Compartilham:
A mesma água
O mesmo ambiente inflamatório
O mesmo microbioma em desenvolvimento
E muitas vezes, os mesmos alimentos
A pesquisa sobre envelhecimento canino nos ajuda a entender como prolongar nossa própria vida com qualidade. A saúde do seu cão é um espelho. - The Forever Dog
A lógica da alimentação viva, menos ultraprocessada e mais funcional é a mesma para humanos e cães. Quando você melhora a saúde de um, inevitavelmente impacta a do outro.
Conclusão: consciência é a base da longevidade 🌱
Seu cão não precisa viver como um lobo. Mas o corpo dele ainda funciona como um.
E o que a ciência mostra é que a reconexão com alimentos de verdade pode ser o ponto de virada para transformar a saúde do seu pet e da sua família.
📌 O objetivo nunca será perfeição. Será congruência entre o que o corpo precisa e o que você consegue oferecer. Um passo por vez, com informação, sem radicalismo.
📚 Este conteúdo faz parte da série baseada no livro The Forever Dog, assine nossa newsletter para receber todos os próximos artigos. Leia também:
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Cuidar do seu cão pode ser o primeiro passo para cuidar melhor de você também.




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